quarta-feira, 9 de julho de 2008

CÓDIGO CIVIL DE 1916 - Importância do anteprojeto de Teixeira de Freitas

Para se entender o sistema do Código Civil de 1916, reforça Andrei Pitten Velloso (2002), é imprescindível que se exponha, preliminarmente, a influência do pensamento de Teixeira de Freitas, pois a Consolidação das Leis Civis, elaborada em 1857, com base nas Ordenações Filipinas de 1602, alcançou até 1917, mais do que meio século, a autoridade de um verdadeiro Código Civil Brasileiro e o Código de 1916 incorporou, em larga medida, a noção de sistema formulada por Teixeira de Freitas.

Em vista do estado caótico da legislação, o governo imperial incumbiu a Teixeira de Freitas, em 15 de fevereiro de 1855, a consolidação das leis civis, com a obrigação de coligir e classificar toda a legislação pátria, inclusive a de Portugal, anterior à independência do Brasil. A natureza e a marcha da ingente tarefa foram bem compreendidas pelo jurisconsulto encarregado de realizá-la. Tratava-se, segundo Gomes (2003), de mostrar o último estado da legislação, reduzindo a proposições claras e sucintas as disposições em vigor, com citação, em nota correspondente, da lei que autorizava cada preceito, ou declaração do costume que estivesse estabelecido contra ou além do texto. O objetivo era a elaboração de trabalho preparatório da codificação. A obra excedeu a toda expectativa, constituindo marco decisivo na evolução do direito civil brasileiro. Por seu intermédio, o direito português conservou-se no Brasil. Foi resguardada, no possível, a continuidade da tradição jurídica do país, apesar de todas as conquistas do espírito inovador, e da influência, então inevitável, dos códigos e dos autores estrangeiros. A Consolidação das Leis Civis condensa os resultados da experiência jurídica lentamente acumulada sobre a carcaça débil das Ordenações.

Não fosse por essa condensação, por certo as Ordenações do Reino não teriam vivido até 1917. É verdade que o Código Civil a ela não se ateve. Mas a Consolidação facilitou a obra do codificador.

Prossegue Gomes (2003) que a influência de Teixeira de Freitas não se fez presente apenas através da construção magistral em que reuniu e sistematizou os elementos esparsos da desordenada e contraditória legislação emigrada. Exerceu-se também por meio do Esboço, que embora não houvesse sido aproveitado diretamente entre nós, como o foi em outras nações ibero-americanas, inspirou disposições do Código Civil, notadamente da parte geral, do direito das obrigações e de certos institutos da direito das coisas. Ao proceder à consolidação da caótica legislação esparsa, Teixeira de Freitas procurou criar um real sistema no Direito Civil pátrio, tarefa à qual se dedicou, inicialmente, quando da elaboração da Consolidação das Leis Civis, concluída em 1857, e, ulteriormente, do Esboço do Código Civil. Com tal intenção, Teixeira de Freitas buscou examinar as leis em seus próprios textos, sem influência de alheias opiniões, para conhecer a substância viva da Legislação. Essa concepção, de sistematizar um Direito Civil positivo pátrio, aplicada à Consolidação, significou uma vultosa mudança de rumo em relação à tradição do Bartolismo, que, primordialmente pela falta de critérios que sua aplicação denotava, tornava tormentosa a prática judiciária.

A concepção sistemática de Teixeira de Freitas, nos dizeres de Velloso (2002), não se confunde com a sistemática jusracionalista, tendo sofrido, ainda, nítida influência da pandectística, o que é revelado pelo fato de ter organizado a Consolidação com base na bipartição da codificação já empregada na obra dos pandectistas. Essa bipartição consistia na divisão estrutural da codificação em uma Parte Geral, à qual, na obra de Teixeira de Freitas, cabia tratar dos elementos constitutivos de todas as relações jurídicas, e uma Parte Especial, que regrava os direitos pessoais e reais. No Esboço, elaborou uma teoria dos fatos jurídicos que seria a base do sistema interno da consolidação, do Esboço e, ulteriormente, do Código Civil.

Teixeira de Freitas, pretendendo a unificação do Direito Privado, desinteressou-se do projeto, pois considerava arbitrária a divisão entre o direito civil e o comercial, propondo, na célebre carta dirigida a Martim Francisco, a elaboração de dois códigos: um Código Geral ou Código Geral de Direito Privado, propedêutico ao conjunto dos ramos jurídicos, e um Código Civil, que absorveria a legislação mercantil. Essa proposta denota a maior tentativa que se fez até hoje de se transpor para a lei uma teoria geral do direito de conversão em jurídico do jurídico-científico. A não aceitação de sua proposta importou com que fosse, em 1872, declarada a resolução de seu contrato para a elaboração do Código Civil.

Uma segunda razão, citada pelo professor Ricardo Marcelo Fonseca (2006) para o fracasso da tarefa de codificação encontra-se na decisão de Teixeira de Freitas de, fiel a seu espírito liberal, negar-se a estabelecer uma disciplina jurídica para a escravidão dos negros. Com efeito, escreveu ele claramente no seu Esboço o seguinte: "Sabe-se que nesse projeto prescindo da escravidão dos negros, reservada para um projeto especial da lei; mas não se creia que terei que considerar os escravos como cousas. Por muitas que sejam as restrições, ainda lhes fica aptidão para adquirir direitos; e tanto basta para que sejam pessoas". Assim, as convicções de Teixeira de Freitas entravam em choque com um dos pilares centrais dos interesses das elites, para quem um código civil não podia simplesmente ignorar as estruturas escravocratas da sociedade agrária brasileira, inviabilizando, assim, o sucesso de seu projeto. Outras tentativas de codificação da legislação civil (muito menos célebres, contudo) foram ainda tentadas no Brasil imperial: a de Nabuco de Araújo (1872) e a de Felício dos Santos (1881) cujos projetos, que muito deviam ao Esboço de Teixeira de Freitas, acabaram barradas quer pela rejeição do Ministério da Justiça e do parlamento, quer pelo final do regime imperial em 1889.

Embora não tenha atuado diretamente na elaboração do Código de 1916, suas influências sobre este são significativas. Como refere Pontes de Miranda (1981), Clóvis Beviláqua elaborou, em 1899, o Código Civil de 1916 aproveitando, primordialmente, os projetos de Teixeira de Freitas, de A. Coelho Rodrigues e de Felício dos Santos, sendo que a presença criativa de Teixeira de Freitas na codificação de 1916 foi mais acentuada do que a do próprio Clóvis Beviláqua. Cita ainda o autor que, das aproximadamente 1.929 fontes do Código Civil, ao direito anterior pertencem 479, à doutrina já vigente antes do Código Civil, 272, e ao Esboço de Teixeira de Freitas, 189. Isso quer dizer que, em tudo que se alterou, foi o Esboço a fonte principal. A influência do pensamento de Teixeira de Freitas estende-se até o Código Civil de 2002, primordialmente no que tange à sua concepção de sistema, à unificação do direito das obrigações e à concretude.

Marcos Katsumi Kay - N1

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